quarta-feira, 26 de junho de 2013

Entrevista com o sociólogo Jean Ziegler sobre Distribuição em Massa Geopolítica da Fome


Na sequência da discussão sobre a qualidade da alimentação disponível para crianças e jovens disponibilizamos parte da entrevista que o sociólogo suiço Jean Ziegler deu a revista Caros Amigos, no âmbito da divulgação do seu livro Distribuição em Massa Geopolítica da Fome.
Jean Ziegler: Dez grupos controlavam, no ano passado, 85% de todos os alimentos negocia­dos no mercado mundial. Entre eles a Cargill, Bunge, Nestlé, Dreyfus Brothers, Archer (Daniels) Midland. Cargill, que tem sede em Minnesota, detém 31,2% de todo o trigo comercializado no mundo. Controlar signifi­ca ter os meios de transporte, os silos para armazenar etc. Eles dominam a formação de preço, naturalmente, e decidem concre­tamente, a cada dia, quem vai comer e vi­ver neste planeta e quem vai passar fome. 0 problema é de acesso.
CA: Esses alimentos “comercializados” são aqueles que se tornaram commodities?
Sim. O núcleo são os que chamamos alimen­tos de base: milho, arroz e trigo, que cobrem 65°/o do consumo mundial. A soja também, mas os mais importantes são esses três, que vão di­retamente para o consumo humano. A soja vira ração. Também a Cargill tem posição dominan­te na produção mundial de carne. Há centenas de abatedouros no mundo, ela tem toda a ca­deia. Sempre verticalmente organizada. Essas multinacionais têm uma organização vertical, da plantação de trigo até o consumidor final e controlam tudo.
São essas mesmas empresas que agora estão desenvolvendo os transgênicos...
Naturalmente. 0 relatório do Banco Mundial mostra a ditadura das 500 multinacionais que con­trolam tudo, as 500 mais importantes nas áreas de química, alimentos e bancos. Depois, setorial- mente, há umamonopolização extraordinária na produção de alimentos de base e na produção de sementes e adubos, como a Monsanto. São seis em­presas que dominam praticamente 90% do setor.
0 senhor fala dessas empresas, que formam uma cadeia. Como a gente foge disso? Porque hoje, que os liberais diriam, é que sem essas empresas não seria possível produzir alimentos para todos.
Isso é a guerra ideológica. Naturalmente é totalmente falso. Vamos discutir mais ampla­mente. Essas sociedades são muito eficientes. Elas dominam a formação dos preços no mer­cado mundial. Existe hoje 1,2 bilhão de pessoas no mundo, um sétimo da população mundial, que é extremamente pobre, que vive com 1,25 dólar por dia. Que vive nas favelas, não pro­duz e precisa comprar sua alimentação diária. Quando, por causa da especulação nas bolsas,
0 milho sobe, - e nos últimos dois anos ele su­biu 63°/o, a tonelada de trigo dobrou e o preço da tonelada de arroz das Filipinas subiu de 100 dólares para 1,2 mil nas favelas do mundo os preços explodem; nas favelas do mundo as mães não podem comprar.
Há alimento, mas as pessoas não têm renda para comprá-lo, é isso?
Não têm renda! E esse número de mais de 1 bilhão de pessoas é estável, não muda. Nos últimos anos, apenas Brasil e a China tiveram um formidável progresso. A fome é calculada de duas maneiras. Em número absoluto de víti­mas e pela porcentagem da população. No Bra­sil, em 20 anos (de 1990/91 a 2010/2012), as vítimas de fome baixaram de 23 milhões para 13 milhões. Em números absolutos, caíram 40,4%, o que é extraordinário e só comparável com a China, onde os famintos diminuíram de 254 milhões para 158 milhões. Uma baixa de 37,6%. Em 1991, no Brasil, ao menos 15% da po­de 4b,Ju/o. tm toüos os demais países a fome aumentou. No mundo, em 1992, 1 bilhão de pes­soas morreu por fome. Hoje, são 867 milhões.