Serão
os projectos de cinema e educação capazes de capacitar crianças e jovens com
habilidades sociais e competências culturais necessárias para que sejam
cidadãos participativos nos ambientes mediáticos contemporâneos? Para que sejam
letrados neste mundo global interconectado e multicultural?
POR
RAQUEL PACHECO*
O
interesse político da UE pela literacia cinematográfica, a nova Lei do Cinema e
Audiovisual e a criação do Plano Nacional de Cinema (PNC) em Portugal, juntamente
com a minha experiência de
campo, contribuíram para identificar a necessidade de que fosse desenvolvida
uma investigação mais profunda na área da literacia mediática, com o foco
voltado para a área do cinema e educação, no País.
Realizei por isso uma investigação que nos
permitiu saber que na primeira vez, na sua vida, que foram ao cinema, mais de
90% dos jovens portugueses que participaram nesta pesquisa viram um filme
realizado nos EUA. Este dado mostra-nos que, para muitas gerações, principalmente
as mais novas, o primeiro filme a que assistiram numa sala de projecção, quando
eram pequenos, foi um filme comercial (na sua maioria de animação) norte-americano.
Esta é a marca de um longo processo de colonização mundial e que possui sérios desdobramentos.
Dados como estes são os maiores impulsionadores
das políticas públicas desenvolvidas no campo do cinema e educação na Europa. A
sua identificação colabora para que os projectos de cinema e educação
questionem se são capazes de capacitar crianças e jovens com habilidades
sociais e competências culturais necessárias para que sejam cidadãos participativos
nos ambientes mediáticos contemporâneos. Para que sejam letrados neste mundo
global interconectado e multicultural.
O Plano Nacional de Cinema – PNC, implementado recentemente em Portugal,
foi uma iniciativa importante para a área. Entretanto, e por outro lado,
observamos um escasso diálogo entre o governo e os sujeitos envolvidos nesta
temática. Muitas vezes foram tomadas medidas e decisões sem levar em
consideração o cinema e educação enquanto uma área que existe há quase um
século em Portugal.
A
experiência leva-nos a reflectir que uma política pública que queira
corresponder às necessidades e expectativas para as quais foi criado o PNC
precisa ser amplamente debatida, a nível nacional, pelas pessoas que se
interessam por esta temática. É necessário ouvir e dialogar com os responsáveis que trabalham
nos projectos, estudiosos, organismos, instituições, professores, crianças e
jovens, com a intenção de garantir a participação dos diferentes sujeitos
envolvidos neste campo.
Em termos pedagógicos identificamos
nos projectos de cinema e educação a necessidade de um trabalho de colaboração
para o desenvolvimento de um pensamento crítico e para o fortalecimento da
cultura popular. Acreditamos que esta iniciativa se pode dar através de
diálogos sobre as questões que incomodam o educador e os educandos, de modo a
desmistificar o que está velado e o que não está bem.
Uma metodologia adequada implementada
por um educador consciente talvez possa vir a tirar destas crianças e jovens a
marca deixada pelo primeiro filme de suas vidas: Made in USA. Não temos nada contra os filmes oriundos deste país,
muito pelo contrário. Mas não podemos permitir que esta seja a única
filmografia assistida pelas nossas crianças e jovens. Desta forma estaríamos a
negligenciar a cinematografia e a cultura nacional. Mas por outro lado, temos
de nos questionar sobre qual foi o último filme para crianças realizado em
Portugal.
Analisando
os hábitos dos jovens que participam nos projectos de cinema e educação,
concluímos que apesar de todo o trabalho realizado nas aulas de cinema, os
educandos não mudam os seus gostos em relação aos filmes a que assistem, e
continuam a preferir assistir aos filmes comerciais realizados nos EUA. Este
tipo de filme continua a ser o preferido da grande maioria destas crianças e
jovens.
Os
projectos de cinema e educação exibem e trabalham tecnicamente filmes a que os
educandos não teriam oportunidade de assistir em outra ocasião. Os jovens
educandos declararam que gostam dos projectos de cinema e educação, e sentem-se
contentes por estarem a participar nas aulas de cinema. E, de um modo geral,
dizem que vêem o cinema com mais atenção, com outros olhos, desde que começaram
a participar nas oficinas de cinema proporcionadas por estes projectos.
A ausência de continuidade das políticas
públicas, e por consequência dos projectos desenvolvidos nesta área, causa a
impressão, a um observador que não conheça a sua história, de que este é um
novo campo de actividade no País e que as iniciativas que são implementadas nos
dias de hoje são uma grande novidade. Em parte podemos atribuir esta situação à
falta de valorização da cultura nacional, principalmente por parte dos
governos, que não dão continuidade às boas iniciativas e políticas públicas que
são desenvolvidas neste âmbito.
Realizámos um trabalho de sistematização da
história da relação entre cinema e educação e
concluímos que estamos a andar em círculos, a construir, desconstruir, e a
voltar a construir, sem aprendermos com as experiências vivenciadas e a
pensarmos que estamos sempre a inventar a roda, sendo que esta já foi inventada
há quase um século (neste caso concreto do cinema e educação).
A escassez de recursos e de reconhecimento em
relação a esta área contribui para a desunião dos seus pares e o trabalho
solitário, o que não propicia a troca de conhecimentos e experiências,
acarretando uma constante desarticulação por parte dos envolvidos e
protagonistas desta área, para além de uma competição silenciosa, que poderia e
deveria ser transformada em colaboração e cooperação entre si.
*
Raquel Pacheco é doutorada em Ciências da Comunicação e autora
do livro “Jovens, Media e Estereótipos. Diário de Campo Numa Escola Dita
Problemática” (Livros Horizontes, 2009) e de diversos artigos científicos. Coordena e é educadora no projecto de
cinema e educação Media
e Literacia,
colabora no projecto Dream
Teens -
FMH e é membro do Interdisciplinary Centre of Social Sciences (CICS-NOVA)
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