quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Carta de Mídia e Educação de Ponta Grossa




Considerando que a educação para usar as mídias com autonomia e criticidade é um fator fundamental para que pessoas de todas as idades e nações possam exercer o direito humano universal à liberdade de expressão, entendido como o direito de ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, e independentemente de fronteiras;
Considerando que o desenvolvimento tecnológico possibilitou a construção de conhecimentos em rede através das diferentes mídias e potencializou práticas culturais colaborativas e compartilhadas;
Considerando que o acesso às mídias e aos seus conteúdos permanece desigual, e que as possibilidades de produção e circulação de seus conteúdos não é praticada pelos diversos atores sociais;
Considerando, como já afirmou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova no Brasil, que as forças econômicas de um país não se desenvolvem sem o “preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa” e que as chamadas indústrias criativas ganham cada vez mais importância no cenário global;
Considerando que a escola, juntamente com outros espaços da sociedade civil, são instâncias democráticas onde a formação para a cidadania ativa é favorecida;
Considerando que no contexto Iberoamericano vários países têm adotado políticas de educação para as mídias trazendo para o âmbito escolar a discussão e práticas de produção e análise crítica da mídia visando a democratização da comunicação e o estabelecimento de uma relação com a mídia que favoreça o pleno exercício da cidadania.
Considerando que as políticas nessa área em nosso país ainda são tímidas e carecem da formação de uma rede de boas práticas e de desenvolvimento de metodologias próprias que dependem certamente de estudos e pesquisas.
E considerando documentos importantes tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Declaração de Grunwald sobre Mídia e educação capitaneada pela UNESCO , os participantes do encontro que assinam esta carta convocam os diversos atores sociais envolvidos direta ou indiretamente com educação para as mídias a:
1. Iniciar e apoiar programas de educação para as mídias para públicos de todas as idades, nas esferas da educação formal e não-formal, através das mais diversas plataformas de mídia que promovam a literacia midiática como o desenvolvimento de habilidades para acessar, selecionar e avaliar produtos de mídia, além de adquirir competência para se expressar criativamente e se engajar socialmente usando canais midiáticos.
2. Promover a formação inicial e continuada de professores e outros profissionais que tenham envolvimento com a educação para as mídias, de modo que adquiram conhecimento crítico e consistente sobre o papel social e o funcionamento dos meios em sociedades democráticas e desenvolvam habilidades pedagógicas para transformar esse conhecimento em práticas de ensino e aprendizagem.
3. Fomentar a produção e compartilhamento de materiais específicos de educação para as mídias, que utilizem as múltiplas linguagens e tenham qualidade validada por seus públicos.
4. Criar condições mínimas nas escolas para que a educação para as mídias possa de fato ocorrer nesses lugares, o que inclui remunerar adequadamente os professores que se proponham fazer mídia e educação, criar e manter laboratórios com os equipamentos necessários e suporte técnico constante e eficiente e prover acesso à internet.
5. Lembrar os meios de comunicação, que por serem concessões públicas, devem cumprir sua parcela de responsabilidade social e se engajar na formação de cidadãos ativos e capazes de avaliar criticamente os conteúdos por eles veiculados.
6. Incentivar espaços de discussão, formação e atualização dos profissionais envolvidos na produção e circulação de conteúdos midiáticos de qualidade para que haja uma maior conscientização da responsabilidade social dos mesmos quanto ao papel que exercem na construção de uma sociedade mais democrática.
7. Estimular a produção e circulação de conteúdos de qualidade dirigidos a crianças e adolescentes de modo a considerar sua participação e suas necessidades específicas tendo em vista a condição estratégica deste público e de sua educação para as mídias;
8. Encorajar a pesquisa em educação para as mídias, inclusive com destinação de recursos financeiros, que apóiem o desenvolvimento de políticas públicas no sentido de favorecer a democratização das mídias e de seus usos nos diversos contextos.
9. Integrar as iniciativas brasileiras às tendências internacionais, em especial às ações da UNESCO, para que os brasileiros também possam ser beneficiados com o avanço do conhecimento produzido em outros países e em cooperação na promoção da educação para os meios.

Ponta Grossa, 10 de setembro de 2013

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Entrevista com o sociólogo Jean Ziegler sobre Distribuição em Massa Geopolítica da Fome


Na sequência da discussão sobre a qualidade da alimentação disponível para crianças e jovens disponibilizamos parte da entrevista que o sociólogo suiço Jean Ziegler deu a revista Caros Amigos, no âmbito da divulgação do seu livro Distribuição em Massa Geopolítica da Fome.
Jean Ziegler: Dez grupos controlavam, no ano passado, 85% de todos os alimentos negocia­dos no mercado mundial. Entre eles a Cargill, Bunge, Nestlé, Dreyfus Brothers, Archer (Daniels) Midland. Cargill, que tem sede em Minnesota, detém 31,2% de todo o trigo comercializado no mundo. Controlar signifi­ca ter os meios de transporte, os silos para armazenar etc. Eles dominam a formação de preço, naturalmente, e decidem concre­tamente, a cada dia, quem vai comer e vi­ver neste planeta e quem vai passar fome. 0 problema é de acesso.
CA: Esses alimentos “comercializados” são aqueles que se tornaram commodities?
Sim. O núcleo são os que chamamos alimen­tos de base: milho, arroz e trigo, que cobrem 65°/o do consumo mundial. A soja também, mas os mais importantes são esses três, que vão di­retamente para o consumo humano. A soja vira ração. Também a Cargill tem posição dominan­te na produção mundial de carne. Há centenas de abatedouros no mundo, ela tem toda a ca­deia. Sempre verticalmente organizada. Essas multinacionais têm uma organização vertical, da plantação de trigo até o consumidor final e controlam tudo.
São essas mesmas empresas que agora estão desenvolvendo os transgênicos...
Naturalmente. 0 relatório do Banco Mundial mostra a ditadura das 500 multinacionais que con­trolam tudo, as 500 mais importantes nas áreas de química, alimentos e bancos. Depois, setorial- mente, há umamonopolização extraordinária na produção de alimentos de base e na produção de sementes e adubos, como a Monsanto. São seis em­presas que dominam praticamente 90% do setor.
0 senhor fala dessas empresas, que formam uma cadeia. Como a gente foge disso? Porque hoje, que os liberais diriam, é que sem essas empresas não seria possível produzir alimentos para todos.
Isso é a guerra ideológica. Naturalmente é totalmente falso. Vamos discutir mais ampla­mente. Essas sociedades são muito eficientes. Elas dominam a formação dos preços no mer­cado mundial. Existe hoje 1,2 bilhão de pessoas no mundo, um sétimo da população mundial, que é extremamente pobre, que vive com 1,25 dólar por dia. Que vive nas favelas, não pro­duz e precisa comprar sua alimentação diária. Quando, por causa da especulação nas bolsas,
0 milho sobe, - e nos últimos dois anos ele su­biu 63°/o, a tonelada de trigo dobrou e o preço da tonelada de arroz das Filipinas subiu de 100 dólares para 1,2 mil nas favelas do mundo os preços explodem; nas favelas do mundo as mães não podem comprar.
Há alimento, mas as pessoas não têm renda para comprá-lo, é isso?
Não têm renda! E esse número de mais de 1 bilhão de pessoas é estável, não muda. Nos últimos anos, apenas Brasil e a China tiveram um formidável progresso. A fome é calculada de duas maneiras. Em número absoluto de víti­mas e pela porcentagem da população. No Bra­sil, em 20 anos (de 1990/91 a 2010/2012), as vítimas de fome baixaram de 23 milhões para 13 milhões. Em números absolutos, caíram 40,4%, o que é extraordinário e só comparável com a China, onde os famintos diminuíram de 254 milhões para 158 milhões. Uma baixa de 37,6%. Em 1991, no Brasil, ao menos 15% da po­de 4b,Ju/o. tm toüos os demais países a fome aumentou. No mundo, em 1992, 1 bilhão de pes­soas morreu por fome. Hoje, são 867 milhões.